O Biochar (Carvão Vegetal) Pode Ajudar (ou Não) os Microrganismos do Solo

Introdução: O Solo Não É Só Terra
O solo parece apenas terra castanha, mas na verdade é cheio de vida. Lá dentro vivem milhões de microrganismos – bactérias, fungos e outros seres minúsculos – que ajudam a reciclar nutrientes, a manter as plantas saudáveis e até a guardar carbono, protegendo o planeta do aquecimento.
O problema é que o solo está a ser degradado muito depressa: um terço já está danificado e, se nada mudar, quase todo poderá estar em risco até 2050. Por isso, os cientistas procuram formas de restaurar os solos e de os tornar mais férteis e saudáveis.

O Que É o Biochar?
O biochar é um carvão muito especial, diferente daquele que usamos nas churrasqueiras. É produzido quando restos de madeira ou de outras plantas são aquecidos a temperaturas muito altas(400oC a 600oC), mas sem presença de oxigénio (O2). Nesse processo, o material não arde como uma fogueira normal: transforma-se num carvão leve, preto e cheio de pequenos poros, como se fossem minúsculos buracos que funcionam como esponjas. No estudo de que falamos aqui, os cientistas usaram restos de acácia, uma árvore invasora bastante comum em Portugal e que muitas vezes é vista como um problema. Ao transformar essa madeira em biochar, aquilo que seria um resíduo sem utilidade passa a ter valor.
Este material tem características muito interessantes. Como é cheio de poros, consegue reter mais água no solo, ajudando as plantas a resistirem melhor em períodos de seca. Também é capaz de corrigir a acidez do solo, funcionando como um regulador natural que melhora as condições de crescimento das plantas. Para além disso, guarda carbono no seu interior durante centenas ou até milhares de anos, o que significa que evita que esse carbono volte à atmosfera e contribua para o aquecimento global. Por estas razões, muitos investigadores acreditam que o biochar pode ser uma ferramenta poderosa tanto para melhorar os solos agrícolas como para ajudar a combater as alterações climáticas.
O Que Fizeram os Cientistas
Para testar estas ideias, os cientistas recolheram amostras de solo de pinhal e misturaram-nas com diferentes tipos de biochar. Produziram o carvão vegetal a duas temperaturas distintas, 450oC e 550oC, para perceber se a temperatura de fabrico alterava as suas propriedades. Também variaram o tamanho das partículas, criando biochar mais fino, médio e mais grosseiro, para verificar se a forma como o material é triturado influencia os resultados. Por fim, usaram quantidades diferentes de biochar, correspondendo a 3%, 6% e 10% do peso do solo, de modo a observar como é que doses maiores ou menores afetam os microrganismos e as características do solo.
Depois de prepararem estas misturas, os cientistas acompanharam a evolução das amostras durante várias semanas. Mediram parâmetros como a disponibilidade de nutrientes, a quantidade de carbono presente, a água retida e sobretudo a atividade dos microrganismos que vivem no solo. Foi como se tivessem colocado o solo e o biochar num laboratório em miniatura, para ver de que forma os seres vivos microscópicos reagiam a esta novidade.
O Que Descobriram
Os resultados mostraram que o biochar consegue alterar bastante as propriedades do solo. Uma das mudanças mais evidentes foi que o solo ficou menos compacto e passou a reter muito mais água, chegando a armazenar até três vezes mais do que antes. Esta é uma vantagem enorme para regiões onde a falta de água é um problema frequente. O biochar também aumentou a quantidade de carbono disponível no solo, o que poderia ser uma boa notícia, mas nem sempre os microrganismos conseguiram aproveitar esse carbono de forma eficiente.
Uma descoberta surpreendente foi que a respiração do solo, ou seja, a quantidade de dióxido de carbono libertado pelos microrganismos, aumentou até oito vezes em algumas situações. Isto significa que os microrganismos estavam muito mais ativos, mas nem sempre de maneira positiva. Em muitos casos, a quantidade total de microrganismos, chamada biomassa microbiana, diminuiu. Além disso, verificou-se um aumento do chamado quociente metabólico, que mostra que os microrganismos estavam a gastar mais energia para se manterem vivos, mas a trabalhar de forma menos eficaz.
Resumindo, o biochar pode trazer benefícios físicos e químicos para o solo, como melhorar a estrutura, aumentar a retenção de água e corrigir a acidez. No entanto, também pode causar algum stress nos microrganismos, sobretudo quando usado em doses mais altas, tornando-os menos eficientes.

Porque É Que Isto Importa
Os microrganismos do solo são essenciais para a vida no planeta. Eles reciclam nutrientes, ajudam as plantas a crescer, participam no ciclo do carbono e mantêm os ecossistemas equilibrados. Se o biochar os ajuda, pode ser uma ferramenta extraordinária para restaurar solos degradados, aproveitar os resíduos das florestas e até reduzir o risco de incêndios florestais, já que as acácias cortadas podem ter este destino útil. Mas se usado em excesso, o biochar pode atrapalhar o trabalho desses pequenos aliados invisíveis. Tal como acontece com um medicamento, a dose certa pode curar, mas uma dose errada pode causar problemas.
O Futuro
O estudo mostrou que o biochar tem um grande potencial, mas também revelou que os seus efeitos não são simples nem sempre positivos. É necessário continuar a investigar para compreender melhor como diferentes solos e diferentes condições respondem ao biochar. Uma questão importante é saber se os microrganismos, com o passar do tempo, se adaptam e passam a viver em equilíbrio com esta variante de carvão vegetal, ou se o stress inicial se mantém. Outra questão é perceber qual a quantidade ideal de biochar a usar para que os benefícios sejam maiores do que os riscos.
Se conseguirmos encontrar esse equilíbrio, o biochar poderá transformar resíduos de madeira, que muitas vezes são vistos como lixo, num recurso precioso para a agricultura e para o ambiente. É como transformar um problema em solução: uma árvore invasora que causa danos pode dar origem a um produto capaz de melhorar o solo e ajudar a travar as alterações climáticas.
Este tipo de transformação está diretamente ligado a conceitos como a bioeconomia (o aproveitamento de recursos biológicos para gerar valor), a economia circular (dar uma nova vida a materiais que seriam descartados) e a economia verde (atividades económicas que reduzem impactos ambientais e contribuem para a sustentabilidade). O biochar é, assim, um bom exemplo de como estas abordagens se podem cruzar para criar soluções inovadoras e benéficas para o futuro.

Conclusão
O biochar surge como um material promissor para enfrentar dois grandes desafios do nosso tempo: a degradação dos solos e o aquecimento global. Este estudo mostrou que ele pode melhorar propriedades importantes do solo, como a capacidade de reter água e a disponibilidade de nutrientes, mas também alertou para os efeitos negativos que pode ter sobre os microrganismos, sobretudo quando aplicado em quantidades elevadas. Assim, o biochar não deve ser visto como uma solução mágica, mas sim como um recurso que precisa de ser usado com inteligência e moderação.
Ao aprender a dose certa e as condições ideais para a sua aplicação, podemos transformar resíduos florestais em aliados valiosos da sustentabilidade. Tal como em muitas outras áreas da ciência, a chave está no equilíbrio: usar o suficiente para ajudar, mas nunca tanto que cause mais mal do que bem.
Citação do artigo original
Morim, A. C., Santos, M., Tarelho, L. A. C., & Silva, F. C. (2024). Short-term impacts on soil biological properties after amendment with biochar from residual forestry biomass. Agriculture, 14(12), 2206. https://doi.org/10.3390/agriculture14122206
Declaração sobre o Uso de Ferramentas de Inteligência Artificial
Este trabalho utilizou ferramentas de inteligência artificial para apoiar a simplificação do texto e a criação de materiais visuais, mas todo o conteúdo foi revisto e validado por especialistas humanos, garantindo a correção científica e a adequação ao público jovem.
Revisão do Texto e Mentoria Científica
Este artigo foi revisto inicialmente por Isabel Saúde, do Gabinete de Comunicação e de Gestão de Ciência do CESAM, e por xxxxxx, aluno(a) da Escola xxxxxxxxxxxxxx
A mentoria científica do texto foi feita por Luís Tarelho e Flávio Silva, Engenheiros do Ambiente, do CESAM e Departamento de Ambiente e Ordenamento da Universidade de Aveiro, dois dos coautores do artigo original.
Editor Geral
Amadeu Soares, Diretor do CESAM e professor catedrático do Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro.
Agradecimentos
Apoio financeiro do projeto «Estrutura de comunicação para a Bioeconomia Sustentável e Economia Circular no âmbito do Plano de Ação para a Bioeconomia Sustentável (PABS).», da Agência Portuguesa do Ambiente, financiado pelo Fundo Ambiental.